terça-feira

Distância
A régua da racionalização, a medida do frio.
A beleza da saudade. A tristeza da idade.

Idade
A régua do tempo, a medida do caminho.
A beleza das horas, dos anos. A veracidade do acto.

Acto
A régua da vida, a nossa medida.
A beleza em nós. A inquestionabilidade do nada.



Dez prás dez e mais azia.

quinta-feira

E diferentes cores banhavam os céus, e diferentes pensares o liam, tão atentamente.

Dois, três, quatro e cinco cambadas de seres desordenados. Poucos sabem que são, e na sua desmesurada ignorância saltitam alegremente.

Lá vai bola.

É assim que cedo se sorri, cedo se fala quando pouco erudito se é. Ao ano somos os donos do mundo e vimos tão pouco como teremos visto à hora da partida. Desenterramos ao metro e meio os preconceitos ancestrais que nos antecedem, que nos embebem, que nos comem vivos e que nos envelhecem prematuramente, que nos aniquilam o direito à pureza, à virgindade.

É cedo, tão cedo, que a dor nos estilhaça, que nos repudia a mama que chupamos vigorosamente até de lá sacar todo o sustento e prazer doente da infância. Porque a inocência é geométrica.

E porque a geometria perfeita jamais se retira do nosso infinito pessoal, do nosso imaginário.

E nada geométrica, lá vai a bola.

É quase cedo que nos arrastam pequenos e doces para um antro cheio de nós, porcos e sujos, maus. É um arrastar de condenação que nos deixa sozinhos no lugar mais cheio que já vimos. E é no seio que nos deixou, faz já tanto, tanto tempo, que tentamos resistir ao acto, que tentamos resistir ao sucumbir. Não queremos morrer.

E a bola vai, lá vai a bola, por fim.

Enchemo-nos de nós. Somos o centro do mundo. Vivemos tanto, por tão pouco. Sofremos e desatamos pelo mais pequeno inclinar ao desprazer, e somos tontos, e absurdos. Cada vez mais humanos pecamos bem mais que Adão, e bem menos que Eva. Somos pão amassado.

Somos a mentira que criámos. Somos o que moldamos, e assim nos despedaçam. E o que nos demorou a cozer o barro da alma pútrida em nós, é num instante que se lança vão abaixo, e que se perde na imensidão do vazio, do buraco comedor de gente. Somos a merda do pão amassado, e somos vis.

A bola corre, e vai, e vem tudo e somos muitos alguéns diferentes e todos mantemos a mesma característica: o alguém que não é, e assim sendo, é um alguém tal e qual o outro.

E no fim, a bola, ou o mundo, é nosso. Corremos e percorremos as pequenas linhas a tracejado que desenhamos descuidadamente no nosso globo escolar.

E no fim, o mundo, ou a bola, é nossa. Sonharam e inventaram as pequenas linhas a tracejado.

Somos portugueses. E ser portuga, portucalense, lusitano ou lusíada é tudo e é nada. As palavras são traições vãs vazias e ocas. O significado vive em nós e nem o sabemos. Odiamos o que não conhecemos.

Conheces-te?

Raramente te olhas, aposto. Raramente te vês.

O espelho espelha apenas o que queres ver, não fora a base, o cabelo, o globo ocular. O globo escolar.

Olha-o. Percorre com a ponta tracejada do teu dedo o tracejado do globo. Percorre Vasco da Gama. Percorre a gama do Vasco. Percorre a Rua da Alegria.

Percorre-te.

Olha-te.

Ser português não é fado ou saudade.

Ser português é viver como vives se o és, ou viver como viverias se fosses outro qualquer, de qualquer outro país.

Acolhe-te primeiro. Sorri-te.

E quando fores velho, bem velhinho, lê-te, por fim. Pouco de ti foste, de certo, mas os teus transpirar-te-ão. Numa sala bem cheia, se Deus quiser, te afagarão em carinhos benevolentes e francos, e serás um messias. Serás português como um inglês o seria, nesse mesmo lugar.

Leva-te contigo e serás tu.

A flor, o fado, a saudade, tem-na de ti.

O resto virá depois.